terça-feira, 27 de março de 2012

ARTIGO - Marcelo Misailidis - 2008

Marcelo Misailidis 
O cartão de boas vindas uruguaio na festa brasileira

Por Rafael Rezende
2008

Fechem os olhos. Ouçam os tambores, e sintam algo vibrar. Coração batendo acelerado, sentimentos mil, emoção explodindo pelos poros. É carnaval, e lá vem sua escola pela avenida. Enfim, os 80 minutos que podem resumir tão bem os últimos 365 dias, mais ou menos.

Agora abra os olhos. E o que desponta à sua vista? Ah sim, a comissão de frente, o cartão de boas vindas. Há umas duas décadas atrás poucas pessoas teriam imaginado a revolução que transbordou neste quesito e que o fez um espetáculo particular dentro de um maior, o desfile em si.

"É o quesito mais aberto a inovações, e o que gera mais expectativa".

As comissões se tornaram uma forma única de representação. Cerca de 40 minutos para se atravessar uma avenida com 60 mil pessoas nas laterais, e 700 metros pela frente. Um desafio que foi, cada vez mais, encarado com ares mais profissionais, culminando com a vinda de bailarinos e coreógrafos dos mais talentosos, que nossa nação apresenta. Dentre esses, um dos que mais se destacam é, sem sombra de dúvidas, Marcelo Misailidis.


“Acho que neste período contribui positivamente para o desenvolvimento do espetáculo da comissão de frente no Sambódromo, sem perder o objetivo de apresentar a escola. Esta experiência também acrescentou muitos valores na minha carreira de encenador.”

Marcelo nasceu no Uruguai, chegando ao Brasil quando tinha nove anos. Em meados da década de 80 iniciou sua carreira como bailarino. Participou de reconhecidos concursos internacionais, estudou em Cuba, em 1990 tornou-se o primeiro bailarino do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde também atua como diretor artístico do corpo de baile, e ainda fundou a da Escola de Dança Misailidis.

Tanto sucesso chamou a atenção da Unidos da Tijuca, escola que descobriu grandes talentos para o carnaval nos últimos anos. Recebendo o convite em 1997, a primeira comissão de frente coreografada por Marcelo foi em 1998, no enredo sobre o Vasco da Gama, tanto o navegador quanto o time de futebol. Em um ano em que muitas escolas optaram por priorizar o luxo nas fantasias das comissões de frente, com grandes costeiras, a Unidos da Tijuca surpreendeu trazendo a criatividade, com uma comissão fantasiada de conchas.

“Quando a Unidos da Tijuca me convidou, em 1997, as comissões estavam num processo de adaptação, precisavam corresponder ao crescimento e ao embelezamento das escolas. Mas tive dificuldades iniciais com as especificações da avenida. Acho que eu e outros coreógrafos contribuímos para a festa com o profissionalismo e por entendermos o sentido de produção de um espetáculo.”




Marcelo ficou mais quatro anos na Unidos da Tijuca. No acesso em 99, trouxe a comissão fantasiada de índios para abrir o enredo “O Dono da Terra”, no que talvez seja o melhor desfile já apresentado no sábado de carnaval.




Em 2000, a comissão de frente ganhou destaque nos jornais, como um dos melhores momentos que rendeu o 5º lugar a Tijuca, sendo formada por dez negros vestidos de índios e cinco brancos colonizadores. Neste ano Marcelo coreografou também as cem baianinhas da escola.




No enredo sobre o ousado Nelson Rodrigues, a comissão de 2001 relembrou o imaginário e luxúria da peça “Vestido de Noiva”, com direito a uma provocante noiva e um imenso véu, de onde saiam os outros integrantes da comissão.



O ano de 2002 trouxe, enfim, o primeiro Estandarte de Ouro a Marcelo. No enredo sobre a língua portuguesa, Camões e os navegadores transformavam a primeira página de “Os Lusíadas” em um barco “de papel”, levantando o público com a surpresa.


Em 2003, outro Estandarte de Ouro em sua estréia no Salgueiro, escola onde ficou por cinco anos, assim como na Tijuca. Com uma comissão formada apenas por componentes da comunidade, negros e altos, Marcelo conseguiu modernizar com competência as comissões de frente de cartolas das primeiras décadas da folia. A união entre esses lados quase opostos da história do quesito formou uma coreografia muito interessante. Todos os componentes trajavam roupas no estilo de antigamente: cartola, terno e sapatos brancos e bengala. Nas costas, uma capa branca, que era retirada para exibir seu avesso, vermelho, cada um com uma letra que formava o nome da escola.

No ano seguinte, mais novidades. Os quinze componentes relembravam a Índia, país de onde os portugueses trouxeram a cana-de-açúcar para o Brasil. Surpreendentemente, os integrantes formavam um elefante apenas com leques e uma tenda. Do dorso do animal, surgia uma mulher representando a Deusa da Fertilidade. A comissão ainda apresentou o escudo da agremiação, detalhe que é ignorado pela maioria dos coreógrafos, mas que é fundamental na verdadeira função da comissão de frente, que é apresentar a escola ao público. Em muitas de suas coreografias Marcelo mostrou preocupação com este “detalhe”, fazendo questão de acrescentar referências à escola durante a apresentação.


Em 2005, homens primatas, fogo, e mais um Estandarte de Ouro. Para a montagem do visual de um homem pré-histórico, foram feitas 14 máscaras com musse de látex, feitas a partir do molde do rosto de cada um dos integrantes. A maquiagem foi feita por Vavá Torres, o mesmo responsável pela histórica comissão de 1999 da Mangueira e pela minissérie “Hoje é Dia de Maria”.


O carnaval de 2006 foi aberto por 15 aranhas, que teciam teias, utilizando de agulhas vermelhas, e imitavam movimentos típicos do inseto. As cinco agulhas foram confeccionadas com pultrudado, um metal utilizado em plataformas de petróleo. Dessa vez o Estandarte não veio, mas a comissão foi bastante aplaudida pelo público.



Para o carnaval de 2007, novamente a maquiagem foi reforçada para a representação do faraó e seu séqüito mumificado, que tentavam trazer de volta ao mundo a rainha Nefertiti. O grupo carregava um bloco de pedra para a construção das pirâmides. Na rocha, estaria a energia vital para que a rainha retornasse. A coreografia, intitulada “Asas da Imortalidade”, possuía movimentos lentos, de grande esforço físico, produzindo um efeito completamente diferente ao que já se tinha visto na avenida.

“Comissão de frente depende muito mais de esforço do que de genialidade.”

Em 2006, em uma votação organizada pelo Jornal Extra, Misailidis foi eleito o coreógrafo da escola de samba perfeita. A escolha foi feita pelos presidentes das agremiações que na época estavam no Grupo Especial, à exceção de Nilo Figueiredo (Portela) e Fernando Horta (Unidos da Tijuca).

Este ano, veremos a estréia deste profissional na Vila Isabel, aguardando mais uma vez o talento, a capacidade de fazer um grande espetáculo de abertura com muita criatividade, sabendo alternar estilos de coreografia, utilizando de componentes da comunidade, e apresentando a escola como se deve.

“Minha contribuição foi outra. Foi o sentido de organização, a disciplina e o compromisso com o conjunto. Não é somente ensaiar. É como a produção que cuida de um espetáculo, desde o funcionamento das bilheterias até o cerrar das cortinas. Não adianta valorizar um aspecto e ficar carente por outro lado. Por isso, trabalho basicamente com pessoas da comunidade. Para não ficar limitado a uma especificidade estética.”
FONTE:  TRADIÇÃO DO SAMBA

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